ARTIGOS
SR. EDUARDO DA PADARIA
Padaria
Jacaré (imagem ilustrativa).
Saraiva
Júnior*
Filhos
da “Porranca”, da “Maria Pereira”, era como chamávamos
as pessoas nascidas na cidade de Mombaça, aquela forma brincalhona
em diminuir o ego do cidadão nascido em nossa querida Mombaça.
Essa era a origem do Sr. Eduardo, da Padaria Jacaré, em Senador
Pompeu, onde fixou residência. Desprendido, bonachão, prosador,
espirituoso e cheio de “causos” para contar e encantar o freguês.
Parece que o estou vendo em sua espreguiçadeira, vasto bigode de
português, cigarro de palha no canto da boca e um breve disfarce
de cochilo em seu semblante, ajudando a esconder-lhe a preguiça.
Casado com a “Santa”
dona Mariquinha e com filhos de toda a idade para se escolher. Pode-se
dizer que a Mariquinha era “a mulher de verdade”, como tantas
Amélias, do meu sertão. O tempo, muitos filhos e o trabalho
castigaram a saúde de Mariquinha. Por essa época, chegou
um velho na padaria do Eduardo pedindo esmola para custear as despesas
com o enterro de sua mulher. Eduardo respondeu-lhe: “meu velho,
vamos fazer um negócio, fique com a minha mulher viva, que eu fico
com a sua morta e faço todas as despesas”. Humor negro à
parte, Mariquinha não levava em consideração, sabia
que as brincadeiras de seu marido eram da boca para fora. O Zé
Maria Saraiva, amigo íntimo do casal e freguês da padaria,
ao ouvir essas pilhérias, dizia num tom amistoso e repreensivo:
“dona Mariquinha, como foi que a senhora casou-se com um homem tão
ruim?” O Eduardo, respondia-lhe: “Mariquinha procurava um
homem rico, bonito e valente, findou encontrando-me, ora”.
Mombacense da gema,
essa gente era belicosa, dizia a lenda. Eduardo aproveitava-se de seus
antepassados para destilar sua fanfarronice de valentão. Alardeava
aos quatro cantos já ter botado fulano para correr, ter dado tabefe
em sicrano, porém ter visto Eduardo brigando, ninguém nunca
viu. Epa! Alguém viu, foi o mestre Zé de Almeida. Havia
uma confusão com um ajudante de magarefe. Eduardo deu uma esculhambação
no negrote e marchou em sua direção para dar-lhe um tapa.
O moreno correu, mas correu até a banca de cortar carne com o intuito
de pegar uma faca. Com a faca na mão, partiu para enfrentar o Eduardo
que, apavorado, correu. Quem lhe salvou a vida foi o senhor Zé
de Almeida que, com um grito, evitou o crime. Mestre Almeida pergunta-lhe:
“o que foi isso, Eduardo?” Ele, sem perder a pose, responde:
“minhas brigas são como as brigas de canários, são
bem ligeirinhas”. Mestre Almeida dá-lhe o troco: “sendo
que você é o ‘buga’ (canário medroso).
E saíram dando boas risadas”.
A Padaria Jacaré
tambem poderia ser denominada de Padaria Camaleão, pois assim era
como variava o humor de seu proprietário: horas chorava, outras
ria. Certa feita, chegaram os fiscais da Secretaria da Fazenda para inspecioná-lo.
Perguntaram-lhe pelos livros. Eduardo gritou: “Mariquinha, traga
os livros dos meninos que os homens querem vê”. Mariquinha,
convivendo com a malandragem de Eduardo, trouxe os livros escolares dos
seus filhos. O fiscal estarrecido, disse: “não são
esses os livros, estou querendo os livros contábeis”. Eduardo:
“não existem esses livros aqui”. Os fiscais examinaram
o estoque, constataram algumas irregularidades e aplicaram-lhe uns autos
de infração, cujo valor era aproximadamente de dois mil
reais. Eduardo pegou o papel, leu e disse-lhes: “pode aumentar a
multa para cinco mil reais”. O fiscal, surpreso, respondeu-lhe:
“outros comerciantes pedem para diminuir, o senhor pede para aumentar?”
Eduardo: “homem, para quem não vai pagar, porque não
tem com quê, tanto faz o valor”.
Dentro dos limites
impostos à vida simples das cidades do Interior, Eduardo transgrediu-a
através do seu bom humor. Deixou lembranças de seu espírito
brincalhão por onde andou. Essa era sua marca registrada. Rememorar
seus “causos”, suas estórias, faz parte da preservação
do folclore da cidade de Senador Pompeu e, com certeza, ajuda a tornar
a vida mais alegre.
(Crônica
publicada no livro “Senador Pompeu em crônicas”, de
Saraiva Júnior, p. 188-189.)
*Saraiva
Júnior. É natural de Senador Pompeu-CE. Saraiva
Júnior, segundo Dimas Macedo, “não está integrado
no sistema social da literatura cearense, pois sequer circula nos espaços
da moda onde ela é veiculada ou consumida. É, antes de tudo,
um quase-desconhecido dos seus pares. Vive a solidão dos discretos
que se escondem nos folguedos do sonho e do imaginário”.
É autor das obras: Temporal e outros contos (2002), contos; Senador
Pompeu em crônicas (2004), crônicas; Devotos, loucos e peregrinos
(2005), contos; O olhar dos humilhados (2012), crônicas; Mozart:
uma trajetória inquieta no futebol (2013), biografia.
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