ARTIGOS
O MILAGRE DE MOMBAÇA
Igreja Católica em Mombaça,
importante cidade portuária do Quênia.
Joseph
E. de Sousa*
A
voz no telefone, em inglês, com um delicioso sotaque francês,
soava como uma antiga canção que há muito não
se ouvia: Senhor Sousa, acabei de chegar a Nova Iorque e quero lhe fazer
uma pergunta a pedido da mamãe, o senhor ainda se lembra de Mombaça?
Ela quer saber disso. As velozes engrenagens da memória entraram
em ação escaneando velhos e poeirentos arquivos. Em menos
de meio segundo, eu tinha a resposta: claro que me lembro de Mombaça,
Elizabeth. E daí?
Eu
estava falando com Elizabeth, de 16 anos, linda como um quadro de Renoir,
filha única dos meus queridos amigos Albert e Juliette Gladstone,
de Lausanne. Eu conhecera os pais de Elisabeth numa noite de Natal, em
1973, num lotado vôo de Nairobi para Mombaça, no Quênia.
Eles eram estudantes de línguas na Suíça, em viagem
de lua-de-mel. Eu viajava numa das minhas regulares expedições
comerciais ao leste africano. Foi amizade à primeira vista. Amizade
pura, sincera e duradoura.
Quando
chegamos a Mombaça, os hotéis estavam lotados. Ficamos no
lobby durante a noite inteira conversando sobre pedras preciosas (minha
paixão) e sobre línguas (a paixão deles). Eu iria
mudar a direção da vida dos recém-casados, segundo
me disseram anos depois. A voz de Elizabeth acordou lembranças
bem guardadas no cofre da memória.
Mombaça
se orgulha de sua rica história de dezoito séculos e foi
descrita por Karen Blixen como um paraíso pintado por uma criança.
Mombaça tinha mais do que tudo isso para nos oferecer. Depois de
um agradável almoço de Natal, fomos fazer turismo. Admiramos
as acácias em flor, os pequenos jardins brilhando no fogo vermelho
da bougainvillea e decorados pelo hibisco. Pássaros cantavam suas
eternas canções de alegria em cada galho.
Juntos,
íamos descobrindo novas expressões de beleza. Mombaça
era muito mais do que um antigo porto, um centro de comércio cobiçado
por portugueses e outros aventureiros. Mombaça era uma velha e
vibrante cidade que nos recebeu de braços abertos. A amizade com
os Gladstones estava sendo celebrada com muita alegria. Os noivos tinham
muitas perguntas para mim. Como um atencioso pai, eu me sentia feliz em
conversar com eles.
Passamos
quatro maravilhosos dias apertando os laços da nossa amizade. Antes
de deixarem Mombaça, Juliette perguntou-me se, em vez de “Mister”
eu aprovaria ser tratado como “Wazee”, palavra swahili de
respeito e carinho significando “sábio, velho homem”.
Concordei logo com a idéia: Está bem, Juliette, mas, em
troca, eu irei chamá-la de “Makena”, a palavra kikuyu,
significando “uma pessoa alegre, cheia de vida”. Até
hoje, tem sido Wazee and Makena, misturando carinho e respeito.
Quando
eu me encontrei com Juliette e Albert, muitos anos depois, na casa deles
na Suíça, ela me disse: Wazee, eu quero fazer uma confissão.
Você mudou nossas vidas durante aqueles lindos dias em Mombaça.
Eu e o Albert estávamos apaixonados, mas tínhamos dúvidas
sobre nosso futuro. Você, como um carinhoso pai, mostrou-nos o seu
mundo profissional. Hoje, gemas e jóias, são nosso mundo
também, somos felizes. Devemos tudo isso a você, Wazee. Venha
ver o nosso atelier.
Na
parede branco-marfim, em letras góticas douradas, li: MAKENA
- Joaillers, Albert & Juliette Gladstone. Senti-me orgulhoso
dos “meus filhos”. Até hoje, a brilhante Makena desenha
e vende jóias finas, Albert tornou-se um competente goldsmith de
integridade. Ambos profissionais do mais alto padrão, respeitados
pelo seu trabalho. Makena creditava tudo isso ao “milagre de Mombaça”.
Elizabeth,
sua mãe chamou a lua-de-mel de 1973, “o milagre de Mombaça”
que deu novo rumo à vida de sua família. Ela fala fluentemente
muitas línguas e sabe que, em swahili, os africanos dizem “Killa
Kitu, mungo iko” ou “Deus está ali para cada
pessoa”.
Em
Mombaça, Ele estava ali para mim e seus pais. Ele estará
ali também para você onde você estiver. Eu me sinto
muito feliz com a pequena parte que tive na vida de seus pais. Para mim,
você é o capítulo mais importante de tão linda
história. Que Deus esteja sempre ali para você.
Seu
contente e agradecido Wazee.
Joseph E. de Sousa
*José
Edísio de Sousa ou Joseph Edísio de Sousa foi fundador
e proprietário da Krona International, empresa sediada nos Estados
Unidos há mais de cinquenta anos, comercializando pedras preciosas,
principalmente gemas lapidadas, importadas de muitos países e revendidas
ao redor do mundo. Nasceu em Pacoti-CE aos 22 de julho de 1920, de onde
saiu aos doze anos de idade para residir em Fortaleza. Aos dezenove anos
mudou-se para o Rio de Janeiro, então capital federal, tornando-se
aviador militar. Aos vinte e dois anos abandonou a carreira militar e
foi morar em Nova Iorque, seguindo daí para Londres. Retornou aos
Estados Unidos, onde, segundo o mesmo, o filho de bodegueiro cearense
viveu num pé de serra das Montanhas Rochosas, no Colorado. Faleceu
em Colorado Springs, Colorado, USA, a 1º de fevereiro de 2007, aos
86 anos de idade.
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