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ARTIGOS
PATATIVA NÃO ERA "ANALFA"
Antônio
Gonçalves da Silva, o poeta Patativa do Assaré (1909-2002)
Barros
Alves*
Antônio
Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, é, indubitavelmente,
figura preeminente na história do povo nordestino, pontificando
como um gênio do verso improvisado entre tantos que se alteiam através
do tempo, nos sertões adustos do Nordeste, cantando as mágoas,
os sonhares e alegrias de sua gente. Entre estes rapsodos do povo, Patativa
foi poeta singular, improvisador de alto dom criativo que construiu versos
matutos em rima aprumada e ritmo escorreito. Mas, soube também
escrever poemas do mais fino lavor métrico e rítmico, sonetos
verdadeiramente petrarquianos ou alexandrinos de fazerem inveja. E aqui
reside a outra face do poeta que se vivo fosse no último dia 5
de março completaria cem anos de existência. A face oculta
de Patativa, por assim dizer.
O
poeta do Assaré, autor de jóias do cancioneiro popular como
"Triste Partida" não era aquela figura analfabeta estereotipada
por alguns intelectuais de esquerda que queriam por fina força
transformá-lo em um Maiakovski sertanejo. A prova concreta disto
é que um criador literário que burila versos perfeitos à
moda clássica, jamais seria analfabeto. Patativa, homem nascido
e criado na roça, mantinha o seu código lingüístico
e disto fazia uso para agradar à platéia, aos aficcionados
da chamada poesia matuta. Na verdade, uma "parapoesia", porque
algo caricaturesco e não original. Quantos não deram de
mão desse artifício para fazer este tipo de versos agradáveis
aos ouvidos, aos turistas ávidos de nordestinidade, além
de deixar boquiabertos os esquerdistas juramentados. Exemplo: Carneiro
Portela, advogado, jornalista, radialista, apresentador de televisão
e autor de vários livros de poemas no estilo moderno, não
é nem de longe um analfabeto, mas sabe como poucos tecer os fios
de uma boa poesia matuta. Tem talento poético e a convivência
com poetas populares e cantadores incutiu-lhe o código lingüístico
deles.
F.
S. Nascimento, crítico literário da melhor cepa, filho do
mesmo Cariri de Patativa, certa feita ao ser por mim provocado, escreveu-me
observando que Patativa do Assaré não era, de fato, o analfabeto
que se queria impingir ao povo através da orquestração
midiática feita por políticos interesseiros. Ele estudara
Teoria do Verso com J. de Figueiredo Filho, respeitado intelectual caririense.
Daí, não ser surpresa a qualidade da poesia que escreveu
nos moldes clássicos. De igual modo, também à vista
de provocação minha, escreveu-me há alguns anos o
professor Sânzio de Azevedo, escritor, poeta e doutor em Literatura.
Segundo aquela autoridade em História da Literatura Cearense, Patativa
quando jovem teria recebido aulas de metro e rima do poeta Júlio
Maciel, destacado magistrado cearense que esteve à frente de comarcas
caririenses, entre as quais Juazeiro do Norte e Lavras das Mangabeiras.
De sorte que Patativa do Assaré, era sim, homem rústico
do sertão, dotado daquela ingenuidade que não significa
estultícia, um crédulo na boa vontade dos homens do poder.
Mas, não era analfabeto. A poesia matuta que fazia era uma invenção
bem arquitetada na forma e no conteúdo. Para os radicais estudiosos
do assunto, uma farsa bem urdida por um matuto que mesmo dominando a norma
culta da língua, sabia escrever poesia com um palavreado próprio
da gente ignara, cuja prosódia encanta os citadinos letrados.
E
aqui um dado que merece ser explorado pelos biógrafos do poeta.
Patativa foi explorado - com toda a carga de maldade e ideologia marxista
que este vocábulo possa ter - por políticos da esquerda
e da direita. A esquerda o apresentava como o denunciador das misérias
e mazelas do sistema capitalista mantenedor das imensas distorções
econômicas e sociais do povo nordestino. E ainda hoje existe intelectuais
de esquerda ganhando uns bons trocados em cima da obra e da figura emblemática
do velho poeta. A direita, pragmática, o levava a reboque para
os palanques e o paparicava com mimos que, na verdade, o deixavam por
demais grato na sua simplicidade de sertanejo sem vaidades pessoais e
sem maiores ambições. Neste aspecto, abstraindo qualquer
juízo de valor, Patativa foi um inocente útil para ambos
os lados ávidos de poder. O poeta morreu pobre.
(Publicado
na Revista Nordeste VinteUm, Ano I, nº 01, Maio/2009).
Barros Alves
*Barros
Alves. Mombacense. É poeta, jornalista, ensaísta,
pesquisador e Taquígrafo Legislativo concursado da Assembleia
Legislativa do Estado do Ceará. Pertence à Academia Brasileira
de Cordel - ABC, à Academia Cearense de Retórica - ACERE,
à Academia Cearense de Hagiologia - ACEHAGI, à Academia
de Letras dos Municípios do Ceará - ALMECE e à Sociedade
Cearense de Geografia e História - SCGH. Escreveu "Cachaça,
Cordel e Cantador"; "A Literatura de Cordel como instrumento
de conscientização"; "Tancredo Neves na Literatura
de Cordel"; "Festejos Joaninos e Outras Festas Juninas";
"Poemas de Longo Apelo"; "Leonardo Boff, um profeta injustiçado"
e vários folhetos de cordel. Tem publicado artigos sobre política,
literatura e religião em jornais e revistas de vários Estados
brasileiros, entre os quais, atualmente, destaca-se a Revista "Nordeste
VinteUm" e "Gente de Ação". |