CARTAS
MARCAS*
Fernando
Antonio Lima Cruz - Mombaça-Ce
Este
ano comemora-se, além do centenário da República,
os 25 anos de golpe militar de 31 de março de 1964, que proporcionou
as páginas mais horrendas da história republicana brasileira.
Fato que merece destaque mas que, ainda hoje, passa despercebido pela
maioria do povo brasileiro, principalmente os não contemporâneos
daquela época. Talvez forjadamente os livros didáticos não
tratam com o merecido respeito e devido destaque uma época que
foi marcada pela repressão, tortura e falta de liberdade de ação
e de pensamento.
Em
25 de agosto de 1961, após sete meses de um governo majestático,
austero e contraditório, quando era maior o seu prestígio
popular e mais aguda a irritação que causava às classes
dirigentes, o então presidente da República, Jânio
Quadros, renunciou à presidência por motivos até hoje
não esclarecidos, dando início a uma séria crise
política com o veto dos ministros militares à posse do vice-presidente
eleito, João Goulart. A conciliação foi alcançada
através de uma emenda constitucional, ilegalmente votada, que instituiu
um falso regime parlamentarista, montado para reduzir os poderes do presidente.
Através
de um plebiscito, em janeiro de 1963, o regime parlamentarista foi revogado,
devolvendo os poderes do presidente da República. Com as reformas
de base, o assentamento das ligas camponesas em áreas de grandes
latifúndios e outros fatores determinantes, o presidente João
Goulart tombou quando maior era seu prestígio entre as classes
trabalhadoras da cidade e do campo, por um golpe militar de inspiração
e execução estrangeiras. O importante a assinalar é
que o governo de Jango não caiu em razão de seus eventuais
defeitos. Ele foi derrubado por suas qualidades: representava uma ameaça
tanto para o domínio norte-americano sobre a América Latina
como para o latifúndio.
Para
manter-se no poder, os governos militares utilizaram todos os métodos
que tinham ao alcance das mãos: desde a censura à imprensa,
até a prisão, cassação de direitos políticos
e banimento de políticos e intelectuais que se opunham ao regime
de terror ora instalado.
Apesar
da repressão, a contestação política voltou
a ganhar as ruas, em 1968, através de manifestações
de massa promovidas pelos estudantes, de greves operárias contra
o confisco salarial, e de pregações indignadas de sacerdotes
católicos contra a opressão e o esfomeamento do povo.
Em
1969, cresceu a contestação armada, última forma
de protesto contra a ditadura, lançando os jovens a assaltos a
bancos, a seqüestros de diplomatas para trocá-los por prisioneiros
políticos submetidos à tortura e condenados a dezenas de
anos de prisão. As organizações armadas finalmente
foram vencidas quando, em 1974, as Forças Armadas, utilizando um
efetivo calculado em 20 mil homens, tiveram que realizar três campanhas
para aniquilar a guerrilha do Araguaia, no Pará, organizada pelo
então proscrito PC do B, na maior operação das Forças
Armadas no Brasil desde a 2ª Guerra Mundial. Poucos guerrilheiros
sobreviveram.
Os
21 anos de ditadura militar foram marcados pelas marcas da tortura; por
125 desaparecidos políticos; pela morte de um sem número
de brasileiros que se opunham política e ideologicamente ao regime
(alguns casos ficaram tristemente famosos, como o “desaparecimento”
do deputado Rubens Paiva e os assassinatos do jornalista Wladimir Herzog,
do estudante secundarista Edson Luís e do operário Manoel
Fiel Filho); pelos Atos Institucionais que despoticamente sobrepujaram
a Constituição da República; pelos escândalos
financeiros sem punição; pelas obras faraônicas, verdadeiros
elefantes brancos, que alimentaram a dívida externa brasileira,
tornando o Brasil um país ingovernável.
“Meu
pai contou para mim; eu vou contar para meu filho. Quando ele morrer?
Ele conta para o filho dele. É assim: ninguém esquece”
(Kelé Maxacali, índio da aldeia de Mikael, Minas Gerais,
1984).
*Publicada
na seção Cartas, do jornal Diário do Nordeste (Fortaleza-Ce),
em 09/02/1989.
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