ENFOQUE
A INAUGURAÇÃO DO FÓRUM DE MOMBAÇA (15 DE
JANEIRO DE 2011) E A INSTALAÇÃO DO 1º TRIBUNAL DO
JÚRI DA VILA DE MARIA PEREIRA (15 DE JANEIRO DE 1835)
Raugir Lima Cruz*
Fugindo
do objetivo desta coluna que é tratar de temas jurídicos
em linguagem acessível, resolvemos chamar atenção
para um momento que, mais que uma coincidência de datas, é
marcado de grande simbolismo.
No título deste
artigo já vimos que em mesmas datas (15 de janeiro) num lapso de
176 anos nos defrontamos com dias marcantes. Inaugura-se um edifício
que trará, espera-se, dignidade para a prestação
jurisdicional, tanto para os que ali labutam, quanto para os que buscam
resolver suas controvérsias, desaguando angustias, necessidades
e esperança.
Mas, como dito, a história
nos presenteia com uma data cheia de simbolismos, visto que há
176 anos, um Juiz, que no futuro abandonaria a magistratura para exercer
o sacerdócio católico, instalou o 1º Tribunal do Júri
da Vila Maria Pereira. Aquele Juiz que organizou os serviços judiciais
da pequena vila, mais tarde se tornaria conhecido como Padre Ibiapina
– Peregrino da Caridade.
Em ofício datado
de 30 de janeiro de 1835 dirigido ao Presidente da Província do
Ceará, Ibiapina relata todo o trabalho realizado na Vila Maria
Pereira.
Importante transcrever
alguns trechos daquele ofício para que possamos meditar ao tempo
que deveríamos trazer lições para os dias atuais.
Ibiapina relata em seu longo ofício que:
“No dia 15 do
corrente mês instalei os jurados nesta povoação. Infinitas
dificuldades encontrei para por em andamento esta salutar instituição
neste ponto de nossa província.
(...) Não achei
casa própria para nela trabalharem os jurados e a igreja, onde
em falta dessa deveriam trabalhar segundo o disposto no Código
de Processo Criminal, não serviu por mui pequena e maltratada.
Servi-me de uma casa particular, que as circunstâncias me ofereceram
melhor.
Uma
terceira dificuldade me embaraçou bem e foi a falta de prisão
qualquer. Remediamos com uma casa tomada a um particular, estreita e sem
segurança. Finalmente encontramos falta de tudo, porém a
boa vontade dos habitantes supriu muito bem essa falta.
(...) empreguei todos
os momentos desde que cheguei a este lugar, em explicar o Código
de Processo Criminal, na parte que lhes era necessário. Foi belo
ver como estes pobres homens se entretinham com os códigos abertos!
Era para eles uma descoberta o verem, no Código Criminal, tais
e tais penas para tais e tais crimes. (...)
Aproveitei-me
destas disposições para infundir-lhes horror ao crime e
interessá-los na punição dele. Creio ter conseguido
a primeira, pela mudança que se experimentou então na linguagem,
e a segunda, V. Exa. avaliará pelas sentenças proferidas,
que junto remeto.
(...)
fiz festejar o dia da abertura do júri, com o que todos se alegraram
dando parabéns a si mesmos. Convenci-os que esses bens emanam da
Constituição. Eu mesmo acompanhei uma árvore, que
denominamos da Liberdade, a qual por voto unânime foi plantada em
minha porta. Cantamos o Hino Nacional e ouviram-se pela primeira vez nestes
campos, vivas à Liberdade e à Constituição.
O
remédio do segundo mal depende de trabalhos mui longos, porque
está todo na educação. Todavia, falamos a linguagem
do cidadão manso, ensinamos a chorar à vista das desgraças
de nossos semelhantes, fizemos passar como homens desprezíveis
aqueles que protegiam assassinos e a estes, por tigres da Escânia.
(...) O acabamento das vinganças era mui difícil, porque
elas se fundavam em antigas intrigas particulares, nascidas das diferentes
crises políticas porque tem passado nossa província.
Reuni
as pessoas mais influentes deste lugar. Em uma ceia, conciliei todos os
ânimos divergentes e, de boa fé, se comunicam hoje como amigos.
A minha presença aqui e os meios que empreguei equivaleram, para
os criminosos, a um exército legal. Fugiram todos os criminosos
e só tive, ao redor de mim e de todo o termo, cidadãos pacíficos.
Os criminosos perderam os protetores e estes passaram a ser os primeiros
interessados na perseguição do crime.” (...)
Eis
então, alguns trechos do ofício escrito há mais de
século e meio, entretanto, o enxergamos tão contemporâneo.
Necessário se faz que o trabalho do Juiz-Padre Ibiapina seja resgatado
176 anos depois. Quiséramos nós que essa profissão
de fé transcrita num ofício se fizesse a cartilha para todas
as autoridades constituídas de nossa Maria Pereira - do Judiciário,
do Legislativo e do Executivo, além de toda a sociedade civil.
Que
extraordinária história Mombaça possui, e nessa rica
história podemos beber o exemplo do Juiz-Padre Ibiapina lá
no século XIX. Resta-nos aprender.
Obs:
A íntegra do ofício acima descrito encontra-se em: ARAÚJO,
F. Sadoc. PADRE IBIAPINA - Peregrino da Caridade. São Paulo: Editora
Paulinas, 1996.
Obs.: Se você
tem alguma curiosidade ou dúvidas sobre seus direitos, nos envie
um e-mail para raugirlima@hotmail.com que tentaremos esclarecê-las
nos próximos artigos.
(Publicado
no jornal ,
Ano XXXV, nº 114, Fevereiro/2011).
Untitled Document
*Raugir
Lima Cruz. Oficial de Justiça da Comarca de Quixelô-CE.
É mombacense de Senador Pompeu, Ceará, onde nasceu no
dia 15 de janeiro de 1966, filho de Etevaldo Lima Cruz e de Francisca
Zeneida Lima Cruz. Graduou-se em Pedagogia na Faculdade de Educação,
Ciências e Letras de Iguatu - FECLI. É bacharel em Direito
e pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela Universidade
Regional do Cariri - URCA. Obteve o 2º lugar no Concurso Literário
Rachel de Queiroz, promovido em 2006 pelo Fórum Clóvis
Beviláqua em comemoração aos 30 anos da sua biblioteca,
com a crônica .
A sua crônica foi publicada na coletânea “Sertão:
olhares e vivências” com os dez trabalhos classificados
no referido concurso. No dia 18 de dezembro de 2007 recebeu o título
de cidadão quixeloense concedido pela Câmara Municipal
de Quixelô. É autor dos artigos "Uma análise principiológica e legal das interceptações telefônicas: a produção probatória à luz do princípio da proibição da proteção deficiente", publicado na edição nº 87, ano XIV, abril/2011, da Revista Âmbito Jurídico e “A aplicação da Willful Blindness Doctrine na Lei 9.613/1998: A declaração livre e a vontade consciente do agente”, publicado no volume nº 9, edição 2011, da Themis, revista científica da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará (ESMEC).
|
|