ENFOQUE
SOBRE PRISÕES E CLAMOR PÚBLICO
Raugir Lima Cruz*
Afinal,
a mídia ao banalizar a violência em seus programas e tele-jornais
ao mesmo tempo em que dá ênfase em sua programação
a “certos crimes” e “certos criminosos”, presta
o papel de informar ou incute na população os sentimentos
de medo, vingança, clamor popular e sentimento de impunidade?
Alguns crimes acontecem
diariamente por todos os recantos do Brasil, entretanto, os órgãos
de comunicação de massa utilizam alguns deles e os transformam
nos chamados “crimes midiáticos”, de forma que, antecipadamente,
acusam, julgam e condenam seus autores sem se importar com o desenrolar
do devido processo legal e muito menos com todas as garantias que assiste
a qualquer um que por desventura cometa um delito penal.
Trataremos desta feita
do desserviço prestado pela mídia mal informada ou mal intencionada,
quando o assunto é prisão ou a liberdade de algum indivíduo
que responda a inquérito ou processo penal. Há em nosso
ordenamento dois gêneros de prisões, quais sejam, a prisão
pena e a prisão sem pena (ou cautelar, provisória ou processual).
A prisão pena
se origina de uma sentença condenatória transitada em julgado
(que não cabe mais recurso), aqui normalmente o condenado passou
pela fase do inquérito policial e em seguida pelo processo penal
em que lhe foi dada toda a chance de defender-se da acusação
que lhe é imputada até o momento final com a sentença
penal condenatória irrecorrível, momento em que o Estado
dá sua resposta ao condenado.
A prisão sem
pena ou cautelar, surge no transcorrer da persecução penal,
e como o próprio nome diz, só será admitida se houver
indubitável necessidade e exclusivamente nas hipóteses previstas
na lei. Saliente-se que as prisões cautelares apresentam-se nas
seguintes espécies: Flagrante, Preventiva e Temporária.
Optamos por discutir
um pouco sobre a Prisão Preventiva que, pelo que se falou anteriormente,
não tem nenhum caráter de punição ao infrator,
mas, tão somente de uma medida cautelar, visto que, no caso concreto,
a liberdade do infrator traria prejuízos à persecução
penal.
Infelizmente a mídia
mal informada ou mal intencionada distorce totalmente o objetivo da prisão
preventiva incutindo na população que uma prisão
preventiva ou uma prisão temporária teria o condão
de punir o autor do delito. É tão descabida a opinião
dos meios de comunicação, que, quando o Poder Judiciário,
passados os motivos que levaram a decretação de uma prisão
preventiva, ao colocar em liberdade o preso, sofre críticas veementes
e injustas, sem que se leve em conta a diferença abismal entre
uma prisão pena e uma prisão cautelar.
Portanto,
resumidamente tentaremos mostrar quais os pressupostos e hipóteses
legais que podem autorizar o decreto de uma prisão preventiva.
Em primeiro lugar, para que o Juiz decrete uma prisão preventiva,
necessário se faz que exista prova inequívoca da existência
do crime e que haja, se não a induvidosa prova, pelo menos indícios
suficientes de autoria.
Contudo,
somente a existência do crime e os indícios de autoria não
são suficientes para um decreto de prisão, necessário
se faz a comprovação do perigo efetivo caso o infrator permaneça
solto, de forma que o legislador estabeleceu quais as quatro únicas
hipóteses que justificam a retirada da liberdade do indivíduo:
1) garantia da ordem pública; 2) conveniência da instrução
criminal; 3) garantia da aplicação da lei penal; 4) garantia
da ordem econômica. Propositalmente comentaremos a hipótese
da garantia da ordem pública por último.
Assim,
ao analisar um caso concreto, o Juiz se convence de que o autor do delito
está destruindo provas, ameaçando testemunhas, ou sem dúvida
nenhuma na iminência de cometer tais atos, prejudicando o desenrolar
da busca da verdade real dos fatos, poderá retirar a liberdade
daquele indivíduo com fundamento na conveniência da instrução
criminal.
Se,
de outra forma, havendo demonstração inequívoca que
o agente, caso venha a ser condenado no processo, fugirá da sansão
penal, cabe a prisão preventiva impedindo sua fuga como garantia
da aplicação da lei penal.
Já
a garantia da ordem econômica, é hipótese para os
crimes que abalam a ordem econômica ou contra o sistema financeiro
nacional, de forma que se o agente permanecer solto continuará
a praticar tais crimes.
Por
último requisito e o que muito nos interessa neste artigo é
a garantia da ordem pública. Surge então uma indagação
o que vem ser ordem pública, visto ser um conceito vago e aparentemente
tão abrangente? Nos filiamos aos doutrinadores que definem ordem
pública como tranqüilidade e paz social, de forma que essa
ordem pública só estaria abalada se aquele infrator solto,
apresentasse risco concreto para a sociedade, posto que comprovadamente
teria sua personalidade voltada para o crime e certamente, em liberdade,
continuaria a delinqüir.
O
que assusta é ver algumas prisões decretadas, em especial
nos “crimes midiáticos”, fundamentadas na ordem pública
apenas porque a televisão diuturnamente vocifera contra seus autores,
fabricando uma espécie de criminoso indesejado e incutindo no imaginário
popular a falsa impressão de que a prisão preventiva tem
por consectário a punição do agente infrator, o que
não é verdade.
O clamor público
nasce do medo e do desejo de vingança fomentado pelos veículos
de comunicação em massa e não é requisito
autorizador da prisão preventiva. É preciso saber que a
prisão preventiva, tem natureza cautelar não objetivando
uma punição antecipada e só pode ser decretada nas
estritas hipóteses acima apresentadas, fora disso pratica-se uma
injustiça travestida de legalidade duvidosa, apenas por submissão
à pressão infundada dos meios de comunicação.
Obs.: Se você
tem alguma curiosidade ou dúvidas sobre seus direitos, nos envie
um e-mail para raugirlima@hotmail.com que tentaremos esclarecê-las
nos próximos artigos.
(Publicado no jornal ,
Ano XXXV, nº 110, Outubro/2010).
Untitled Document
*Raugir
Lima Cruz. Oficial de Justiça da Comarca de Quixelô-CE.
É mombacense de Senador Pompeu, Ceará, onde nasceu no
dia 15 de janeiro de 1966, filho de Etevaldo Lima Cruz e de Francisca
Zeneida Lima Cruz. Graduou-se em Pedagogia na Faculdade de Educação,
Ciências e Letras de Iguatu - FECLI. É bacharel em Direito
e pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela Universidade
Regional do Cariri - URCA. Obteve o 2º lugar no Concurso Literário
Rachel de Queiroz, promovido em 2006 pelo Fórum Clóvis
Beviláqua em comemoração aos 30 anos da sua biblioteca,
com a crônica .
A sua crônica foi publicada na coletânea “Sertão:
olhares e vivências” com os dez trabalhos classificados
no referido concurso. No dia 18 de dezembro de 2007 recebeu o título
de cidadão quixeloense concedido pela Câmara Municipal
de Quixelô. É autor dos artigos "Uma análise principiológica e legal das interceptações telefônicas: a produção probatória à luz do princípio da proibição da proteção deficiente", publicado na edição nº 87, ano XIV, abril/2011, da Revista Âmbito Jurídico e “A aplicação da Willful Blindness Doctrine na Lei 9.613/1998: A declaração livre e a vontade consciente do agente”, publicado no volume nº 9, edição 2011, da Themis, revista científica da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará (ESMEC).
|
|