HISTÓRIA

Representação da vila de Maria
Pereira, no século XIX, réplica em óleo sobre tela
(100 cm x 70 cm), de autoria de Kleber Pinheiro (2005).
O
1º CÓDIGO DE POSTURAS DE MARIA PEREIRA
“Uma
cidade é algo mais que o somatório de seus habitantes, é
uma unidade geradora de um excedente de bem estar e de facilidades que
leva a maioria das pessoas a preferirem – independente de outras
razões – viver em comunidade a viverem isoladas”. (CULLEN,
Gordon. Paisagem Urbana. Rio de Janeiro: Livraria Martins
Fontes, 1983)
A
4 de outubro de 1854, o presidente da Província do Ceará,
padre Vicente Pires da Motta (1799-1882), sancionou a Lei nº 670,
aprovando os artigos de posturas elaborados pela Câmara Municipal
da vila de Maria Pereira, determinando as relações entre
o poder público e os munícipes. A execução
delas dependiam da aprovação do presidente do Estado.
De
acordo com o Novo Dicionário Aurélio, postura é um
“preceito municipal escrito, que obriga os munícipes
a cumprirem certos deveres de ordem pública”.
“Os
Códigos de Posturas Municipais originariamente eram documentos
que reuniam o conjunto das normas municipais, em todas as áreas
de atuação do poder público. Com o passar do tempo,
a maior parte das atribuições do poder local passou a ser
regida por legislação específica (lei de zoneamento,
lei de parcelamento, código de obras, código tributário
etc), ficando o Código de Posturas restrito às demais questões
de interesse local, notadamente aquelas referentes ao uso dos espaços
públicos, ao funcionamento de estabelecimentos, à higiene
e ao sossego público.
Embora
de tradição antiga, o Código de Posturas é
um instrumento cuja importância urbanística tem sido subestimada.
Isto se dá fundamentalmente pelo desconhecimento e pela falta de
tradição dos planejadores em tratar desses temas”.
(CAMPOS, J. O.; BRAGA, R.; CARVALHO, P. F. Manejo de Resíduos:
pressuposto para a gestão ambiental. Rio Claro: LPM/UNESP,
2002)
Lei
nº 670 de 4 de Outubro de 1854
Publicada
pelo presidente Vicente Pires da Motta.
Approvando
artigos de posturas da camara municipal da villa de Maria Pereira, ns.
1 a 24.
Art.
1. Pessoa alguma poderá levantar casas ou outro qualquer edificio
dentro desta villa, sem preceder licença da camara, afim de serem
marcadas pelo fiscal. Os contraventores pagaráõ a multa
de quatro mil réis para o conselho, ficando obrigados a demolir
o mesmo edificio na parte que estiver fóra do alinhamento.
Art.
2. As casas que d’ora em diante forem edificadas nesta villa, guardaráõ
as seguintes proporções: serão construidas de tijolo
ou pedra, com quatorze palmos de altura na frente pelo menos, cornija
ou beira e subeira, calçada com sete palmos de largura. Os contraventores
verão demolir a obra à sua custa, não estando conforme
à presente postura, e pagaráõ de multa dez mil réis
para o conselho.
Art.
3. Todo o proprietario de casas ou de outro qualquer edificio existente
nesta villa que ameaçar ruina, será obrigado a repara-lo
immediatamente ou demoli-lo logo que fôr avisado pelo fiscal; e
os que assim não fizerem, serão multados em dez mil réis
para o conselho.
Art.
4. Todo o proprietario de casas nesta villa, e o inquilino nas de aluguel,
serão obrigados a ter sempre limpas as frentes das casas, fundos
e oitões, até o mez de Julho de cada anno, e mandaráõ
arrancar os hervanços e mattos que nascerem em distancia de vinte
palmos das frentes. Os contraventores pagaráõ a multa de
oito mil réis para o conselho.
Art.
5. Os proprietarios de casas dentro desta villa serão obrigados,
todos os annos no mez de Agosto, a reparar as frentes de suas casas e
caia-las, assim como a ter as calçadas promptas em estado de se
poder por ellas transitar. Os contraventores pagaráõ a multa
de quatro mil réis para o conselho.
Art.
6. O administrador de N. Senhora da Gloria, a quem pertencem por administração
as terras da mesma Senhora, onde se acha encravada esta villa, será
obrigado a arrancar todos os annos no mez de Julho, os hervanços
e mattos, que nascerem no largo da matriz, assim como será obrigado,
até o mez de Agosto de cada anno, a limpar as testadas das mesmas
terras dez palmos para cada lado da estrada principal, e das particulares
ou travessas cinco, entulhando as escavações e cortando
os troncos das arvores, que possao impedir o transito publico, e não
o fazendo pagará por seus bens a multa de dez mil réis.
Art.
7. Os proprietarios de casas desta villa serão obrigados a extinguir
completamente as formigas que nellas se acharem, bem como as que apparecerem
em vinte palmos em circumferencia de suas moradas ou quintaes, para que
a continuação não produza notavel ruina nos demais
predios em prejuizo publico e particular: os que as não extinguirem
no prazo de trinta dias depois que apparecerem, serão multados
em seis mil réis para o conselho.
Art.
8. Pessoa alguma poderá fazer escavações dentro desta
villa ou em suas immediações, que prejudiquem o transito
publico, e mesmo em qualquer estrada deste municipio. Os contraventores
pagaráõ a multa de quatro mil réis para o conselho,
obrigado a entulhar ditas escavações no prazo de oito dias.
Art.
9. Todo o proprietario de terras ou rendeiro, será obrigado a limpar,
todos os annos até o mez de Agosto, as estradas que derem em suas
terras transito publico, devendo ter dez palmos de largura a estrada principal
e cinco as travessas. Os contraventores pagaráõ a multa
de dezeseis mil réis para o conselho.
Art.
10. Prohibe-se correr desfiladamente a cavallo dentro desta villa, das
seis horas da tarde em diante. Os contraventores pagaráõ
a multa de dous mil réis para o conselho.
Art.
11. Fica prohibido terem-se cães soltos dentro desta villa, ficando
incumbida ao fiscal a sua extincção, avisando primeiramente
aos seus donos.
Art.
12. Prohibe-se criar porcos soltos dentro desta villa, e só poderáõ
ser conservados em chiqueiros, de maneira que o fetido não incommode
a vizinhança. Os contraventores pagaráõ a multa de
quatro mil réis por cada cabeça para o conselho, e os porcos
que se apanharem soltos dentro desta villa, serão arrematados para
o conselho.
Art.
13. É permittido criarem-se cabras dentro desta villa, comtanto
que sejão recolhidas às seis horas da tarde e soltas às
oito da manhãa e pelas que forem encontradas soltas fóra
das horas marcadas na presente postura, os donos pagaráõ
a multa de duzentos réis por cada uma para o conselho.
Art.
14. Todo o agricultor será obrigado a trazer no mez de Junho ao
secretario da camara cincoenta cabeças de passaros damninhos, dos
quaes o secretario passará recibo, sendo o fiscal obrigado em suas
correições a exigir dos agricultores o dito recibo para
pôr no verso o seguinte: - Visto em correição, tantos
de tal mez e anno. - F. - Os contraventores pagaráõ a multa
de dous mil réis para o conselho.
Art.
15. Nenhum agricultor ou morador nas serras poderá ter gados grossos
e miudos soltos nos sitios, e só lhe é permittido ter nelles
cavallos, bois de serviço e vaccas para leite em cercados seguros.
Os contraventores pagaráõ de multa por cada cabeça
de gado grosso cinco mil réis, e por miudo quinhentos réis
para o conselho.
Art.
16. Todo o proprietario ou rendeiro das serras, é obrigado logo
que cessar o inverno, a concertar e limpar os caminhos e estradas publicas
na extensão de suas testadas, roçando os mattos na largura
de dez palmos, aterrando e aplainando as escavações que
as aguas tiverem feito, e removendo todos os obstaculos que possão
embaraçar o transito publico. Os contraventores serão multados
em oito mil réis para o conselho.
Art.
17. Toda a pessoa que abrir loja, quitanda ou botequim dentro desta villa
e povoação da Pedra-Branca, será obrigada a tirar
licença desta camara. Os contraventores pagaráõ a
multa de dous mil réis para o conselho.
Art.
18. Os logistas, quitandeiros e mascates deste municipio deveráõ
ter todos os pesos e medidas necessarias ao seu uso, a saber: os que medirem
fazenda, terão vara e covado; os que medirem liquido, metade e
contrametade; os que medirem seccos, terão uma quarta, meia, uma
medida e uma terça; os que pesarem, terão oito libras, quatro,
duas, uma e meia libra, que deveráõ aferir todos os annos
em Janeiro, e pagaráõ de aferição quarenta
réis por cada peça, e o mesmo pelo bilhete. Os contraventores
pagaráõ a multa de seis mil réis.
Art.
19. Todo aquelle que vender por pesos e medidas falsas, será multado
em dez mil réis para o conselho.
Art.
20. Os gados que se houverem de matar para o consumo publico, serão
mortos na tarde antecedente ao dia em que deverem ser talhados. Os contraventores
pagaráõ a multa de cinco mil réis para o conselho.
Não terá lugar a multa quando a necessidade publica exigir.
Art.
21. Todas as cargas de viveres que entrarem nesta villa para o consumo
publico, pagaráõ seus donos ou conductores, quarenta réis
para o conselho. Os infractores pagaráõ a multa de mil réis.
Art.
22. Os donos de engenhos de moer canna deste municipio, que fizerem rapaduras,
assucar ou aguardente, pagaráõ annualmente para esta camara
mil réis. Não pagará porém este imposto o
engenho no anno que não moer.
Art.
23. Todos os negociantes ambulantes de fazendas seccas ou molhadas que
se detiverem nesta villa e na povoação de Pedra-Branca para
venda de seus effeitos, serão obrigados a tirar licença
desta camara, pela qual pagaráõ dous mil réis para
o conselho. Os contraventores pagaráõ a multa de quatro
mil réis.
Art.
24. Ficão revogadas as disposições em contrario.
No
ano seguinte, através da Lei nº 720 de 27 de agosto, publicada
pelo presidente Vicente Pires da Motta, foram aprovados dois novos artigos
de posturas da vila de Maria Pereira que transcrevemos a seguir:
Lei
nº 720 de 27 de Agosto de 1855
Publicada
pelo presidente Vicente Pires da Motta.
Approvando
artigos de posturas da camara municipal da villa de Maria Pereira, ns.
1 a 3.
Art.
1. Todas as pessoas deste municipio que plantarem em terras proprias de
criar, são obrigadas a fazer cercas pelo menos de sete palmos de
altura: os contraventores pagaráõ a multa de 10$000 réis.
Art.
2. Nenhum foreiro de sitios ou terras do patrimonio da camara poderá
vendê-los ou permuta-los sem prévia licença, que será
concedida ou pela mesma camara em sessão, ou pelo presidente respectivo,
lavrando-se em todo caso o competente termo de aforamento: os contraventores
pagaráõ a multa de 20$000 réis.
Art.
3. Revogão-se as disposições em contrario.
(Fonte:
BARROSO, José Liberato. Compilação das leis
provinciaes do Ceará: comprehendendo os anos de 1835 a 1861.
Tomo II, 1847-1855. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert,
1863).
Música-tema
da página: Odeon, de Ernesto
Júlio Nazareth (1863-1934), pianista e compositor
brasileiro, considerado um dos grandes nomes do "tango brasileiro"
ou, simplesmente, choro.
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