ARTIGOS
TEMPOS DE BRUMAS E DIAS INCERTOS
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O
município de Corinto, ponto central do Estado de Minas Gerais,
é parte integrante da região do Médio Rio das
Velhas, na zona do Alto São Francisco. (Foto: José
Hipólito de Souza) |
Pedro
Américo*
O
Edilberto tinha mania de apontar para o pedaço de morro que aparecia
por cima do telhado do Dom Serafim e falar que dali pra frente começavam
os grandes sertões. Sertões “dos de Corinto e dos
de Curvelo”. Ali, naquela mesa do Bar do Jorge, era o lugar de
reinventar a vida e fazer revoluções.
Entre
os desatinos daquela mesa e uma das salas do colégio Dom Serafim
surgiu a idéia de um jornalzinho e de um festival. Os dias de
chumbo deram vida curta ao jornal. Ainda era ditadura, tempo brumoso
com dias incertos.
Por
causa do Jornal e do festival tivemos que comparecer à sala da
diretoria.
Entramos
em fila, este escrevinhador, o Paulinho Pagani, o Edilberto, o Tadeu.
O Plínio foi “convidado a se retirar” dias antes
por ter sido apanhado no pátio do colégio tocando uma
música do Geraldo Vandré.
Era
uma sala sombria nunca antes conhecida. O Diretor tirou de um papel
branco muitas ameaças e nenhum sentido. Ouvimos e fomos cuidar
das nossas vidas. Ainda não tinham percebido que estava chegando
o fim da longa noite escura.
O
Jorge tinha mania de tocar Belchior na “vitrola”. Era pra
lembrar de Mombaça no Ceará, onde viviam
seus pais em uma terrinha com açude, um gado miúdo e muitos
cabritos soltos pelas encostas. Ouvíamos “Tudo Outra Vez”
e dava vontade de ir pra Mombaça. A gente também
acabava sentindo saudades de Mombaça.
Em
um sábado, depois de muita cerveja, perguntamos ao Wilson onde
ficava Mombaça. Ele apontou para o mesmo ponto
acima do morro. Então os pais do Jorge passaram a morar logo
ali, depois do morro, após os sertões, por cima do telhado
do Dom Serafim.
Wilson
era o nosso maluco preferido. Desconhecia a tristeza. Aqui não
era lugar para ele, foi embora. Onde estiver deve estar rindo da gente,
da nossa falta de jeito para lidar com a vida.
Não
tiveram tempo para proibir o festival. Não perceberam o que estava
para acontecer. O galpão da feira ganhou um palco e o sobrado
da dona Maria Raimunda, mãe do Paulinho Pagani, foi transformado
em ponto de apoio para receber os jovens que chegavam de todos os lugares.
Naquela manhã de festival a cidade acordou com centenas deles
pelas ruas e praças.
Já
se passaram mais de vinte anos e, como nós, o galpão da
feira já não é o mesmo, anda sendo maltratado,
mas resiste lá, em seus alicerces. Nós estamos espalhados
pelo mundo. Entre uma guerra e outra sempre sobra um tempo para voltar
a Corinto. No domingo, acordar pela manhã para ir à feira
e ficar por ali, sem pressa, observando com atenção aquele
lugar. Uma maneira de reencontrar um velho amigo e reviver aqueles tempos.
Tempos
bons, apesar das brumas.
(Fonte: Jornal “O Panorama”, disponível
em .
Acesso em 23 fev. 2008)
*Pedro
Américo é corintiano, jornalista, exerce
o cargo de Analista de Operação da Companhia Vale do Rio
Doce - Gerência de Implantação de Projetos e Processos
Operacionais.
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